(Uma breve análise de Efésios 5.18-21; 6.5-9)
Podemos
destacar a Epístola do Apóstolo Paulo aos Efésios como uma circular às igrejas da
província da Ásia entre os anos 52 e 55 dC. Segundo Donald C. Stamps, o editor geral
da Bíblia de Estudo Pentecostal, editada
pela CPAD, esta carta pode também ser a mesma destinada por Paulo aos
Laodicences (Colossenses 4.16).1
A
epístola aos Efésios integra o grupo das quatro epístolas escritas na prisão, juntamente
com Filipenses, Filemon e Colossenses — As
Cartas da Prisão. Isto significa dizer que enquanto o apóstolo Paulo redigia
a epístola aos Efésios ele se encontrava preso, provavelmente em Roma. Se pudermos cunhar
um tema central da epístola, gostaria de evocar o dos comentaristas em o Novo Testamento , J. Wesley
Adams e Donald C. Stamps: “Os propósitos eternos de Deus em Cristo a fim de
criar entre judeus e gentios uma nova humanidade através da cruz e uma nova
comunidade como o corpo de Cristo na terra”.2 No
entanto, esses propósitos foram revelados à humanidade através da Igreja em Cristo Jesus como nos
relata o apóstolo Paulo na sua epístola aos Colossensses: “o mistério que
esteve oculto desde todos os séculos e em todas as gerações e que, agora, foi
manifesto aos seus santos; aos quais Deus quis fazer conhecer quais são as
riquezas da glória deste mistério entre os gentios, que é Cristo em vós,
esperança da glória” (1.26,27).
Em Efésios 1.15,16, Paulo destaca
o amor mútuo praticado na igreja de Éfeso como consequência da fé centrada na
pessoa do Senhor Jesus. E o apóstolo espera esta fé viva operando na vida
daquela comunidade cristã. Os agradecimentos pessoais a Deus por essa Igreja são
demonstrados por Paulo na sua oração. Nela, ele esperava que a prática do amor
fraterno fosse predominante nas relações ali existentes. Neste contexto é que o
apóstolo dos gentios aborda a antítese entre uma vida imersa no Espírito Santo e a existência submersa na ausência
de sobriedade (5.18) evidenciada pela presença de contendas.
Quando lemos o capítulo 5 de
Efésios, sobre o tema do enchimento do Espírito, é comum nos reportarmos à
experiência pentecostal do segundo capítulo dos Atos dos Apóstolos. Entretanto,
é preciso situar o preclaro leitor nos contextos destes distintos escritos a
fim de compreendermos a diferença semântica do termo “enchimento” cunhado por
Lucas em Atos e o usado por Paulo em Efésios. No livro dos Atos dos Apóstolos o
evangelista utiliza um recurso linguístico particular para citar o cumprimento
literal da promessa predita por Jesus de Nazaré acerca do batismo com o
Espírito Santo: “E todos foram cheios do
Espírito Santo e começaram a falar
em outras línguas, conforme o Espírito Santo lhes concedia que falassem” (At
2.4). O nosso Senhor havia dito: “Porque, na verdade, João batizou com água,
mas vós sereis batizados com o Espírito
Santo, não muito depois destes dias” (At 1.5) [grifos meus]. Assim, salta
aos olhos do leitor que a expressão “todos foram cheios do Espírito Santo” (At
2.4) é sinônima da “vós sereis batizados com o Espírito Santo” (At 2.4). Nesta o evangelista Lucas se
refere a promessa; naquela ele refere-se ao cumprimento da mesma. Lucas está,
claramente, narrando a experiência fenomenológica de poder no Espírito, literalmente
profetizada por Jesus, registrada pelo próprio Lucas no seu Evangelho (Lc
24.49) e confirmada por ele nos Atos dos Apóstolos (1.4,5).
Entretanto, o texto de Efésios 5 apresenta
o assunto sobre o “enchimento do Espírito” numa outra perspectiva. O apóstolo
remete o leitor à ideia de que ser cheio
do Espírito é uma experiência transcendental diametralmente interligada ao comportamento
daquele que encarnou em si mesmo o Evangelho de Jesus. A transcendência no
Espírito se caracteriza como o fruto da intimidade com Deus (vv.1-3) manifestada
pelo crente na dimensão de um relacionamento de amor com o próximo. Vejamos:
(1) No versículo 18 a expressão embriagues (gr. methyskesthe)3 realça a ideia da falta de autocontrole
do indivíduo; libertinagem ou devassidão (gr.
asôtia)4 significa o excesso
comportamental, imoralidade. Mas, a expressão “Enchei-vos” (gr. plêpousthe)5 denota a tese de ser dominado pelo Espírito, absolutamente
controlado por Ele. (2) Nos versículos 19 e 20 o ser cheio do Espírito implica
participar na comunidade do culto espiritual [aqui, os cânticos espirituais são
consequências espontâneas do Espírito]. E a consequência disto não pode ser
outra: o crente é capacitado a sujeitar-se ao outro em amor. (3) No versículo 21 a prática do amor é o resultado
do enchimento do Espírito. É estar cheio de Deus, do seu amor e comunhão. Logo,
a consequência natural do culto verdadeiro a Deus é uma predisposição de sujeitar-se
ao outro em amor.
A mensagem de Efésios é clara e
taxativa: o ser cheio do Espírito implica no amor mútuo da comunidade que se
chama pelo nome do Senhor. Pois o ato de servir a Deus se dá nas dimensões vertical (Deus) e horizontal (o outro, o próximo). Na perspectiva vertical, somos
chamados a amar e temer ao Senhor de todo o coração, força e pensamento (Mc 12.30);
na horizontal, amar sinceramente o próximo como a si mesmo (Mc 12.31). Estas
são as ordenanças do Evangelho para a vida (Mc 12.30,31).
É nessa
perspectiva de espiritualidade vertical e horizontal, que o restante do
capítulo cinco de Efésios — até o versículo nove do capítulo seis — falará do
inter-relacionamento entre “esposo e esposa”; “pais e filhos”; “patrões e
funcionários”. O apóstolo Paulo denota que ambos, em amor, devam sujeitar-se ao
outro para fazer o bem e amarem-se em Jesus Cristo.
O amor cristão deve se manifestar
em todo e qualquer ambiente que demanda o relacionamento humano. Principalmente
nos círculos cristãos. Entretanto, é importante ressaltar que antes de firmarmos
compromissos com pessoas de diversos seguimentos — o matrimonial, o maternal,
paternal e o profissional — temos laços de irmandade estabelecidos com elas
numa perspectiva discipuladora de Jesus de Nazaré. Naturalmente, o amor
descrito aqui, não é nem pode ser um amor de viés obrigatório, pois amor compelido
não é amor verdadeiro. Este é voluntário, espontâneo e não espera nada em troca. O amor demonstrado
por Jesus nos designa a ser um e somente um corpo com Ele. Por isso podemos
destacar alguns desdobramentos do amor na relação profissional entre funcionário
→ patrão:
1. Nos versículos 5,6. Enquanto
funcionários de uma empresa, nossa real motivação deve ser a do respeito, pois
somos chamados a viver numa dimensão de serviço a Deus, mas também aos homens.
De sorte, não há como honrar a Deus se a minha dimensão relacional com os
homens de autoridade está confusa ou quebrada. É impossível viver um dualismo
entre “servir a Deus” e “não servir o próximo”, pois a ideia central expressa no
capítulo 5 de Efésios é essa: “sujeitai-vos uns aos outros em amor”.
2. Nos versículos 7,8. Aqui,
o discípulo de Jesus é convidado a fazer o bem e se aperfeiçoar naquilo que
faz, não somente por causa do patrão, mas acima de tudo por Cristo. É aí que se
revela a própria realização humana, pois patrão e funcionário têm um mesmo
Senhor! Não há favoritismo de Deus nessa relação. O mesmo Senhor que auxilia o
patrão é o mesmo que auxilia o funcionário. NEle, ambos são irmãos.
3. No versículo 9. O
tratamento dos patrões para com os funcionários deve ser no mesmo espírito dos
funcionários para com os patrões: sujeição mútua. A Bíblia NVI descreve assim este
princípio: “Vocês, senhores [patrões], tratem seus escravos [funcionários] da
mesma forma” (Acréscimos). Aqui, não há privilégios para nenhuma parte. Logo, o
princípio que norteia o relacionamento entre funcionários e patrões cristãos é
o da disponibilidade de um servir ao outro em amor como quem serve ao Senhor
(Ef 5.21). É incrível como o ensino do apóstolo revelado nestas linhas é
revolucionário e a frente do seu tempo. Ele mostra que os patrões não apenas têm
direito, mas também obrigações a respeito da dignidade dos funcionários e estes
não apenas obrigações para com aqueles, mas direitos também.6 Ambos, em amor, têm direito e deveres. Contra
isto, diz as Escrituras Sagradas, não há lei (Gl 5.22,23).
Se você é o patrão hoje, o que
pensar sobre o que a Epístola aos Efésios diz a respeito da tua relação com o
teu funcionário? E você que é funcionário, como enxergar esta relação com o teu
patrão? Certa feita o nosso Senhor disse que no mundo gentílico o mais forte
subjugar o mais fraco era perfeitamente normal. Mas entre nós, não! Entre nós
não poderia, e nem pode, ser assim! Entre cristãos, o amor mútuo dos irmãos é
quem deve sobrepujar. Então, na dimensão do Espírito Santo, cada qual exercerá o
seu próprio papel, seja na função de patrão ou na de funcionário. Afinal de
contas, hoje você é o patrão, mas amanhã poderás tornar-se um funcionário ou
vice-versa. Mas ambos não podem se esquecer: “Sujeitai-vos um ao outro em amor”
a qualquer tempo e em qualquer dimensão profissional, seja ou não cristã. Paz e
bem!
Marcelo de Oliveira e Oliveira é redator do Setor de Educação
Cristã da CPAD, bacharel em Teologia e professor.
NOTAS
1
STAMPS, Donald C (Ed.). Bíblia de Estudo Pentecostal: Antigo e Novo Testamento. Rio de
Janeiro: CPAD, 1995, p.1805-06.
2 ADAMS, J. Wesley; STAMPS,
Donald C. Efésios. In, ARRINGTON,
French L.; STRONSTAD, Roger. Comentário Bíblico Pentecostal: Novo Testamento.
2.ed. Rio de Janeiro: CPAD, 2004,
p.1193.
3
OLIVETTI, Odayr; GOMES, Paulo Sérgio. Novo Testamento interlinear analítico Grego
— Português: Texto Majoritário com
Aparato Crítico. 1.ed. São Paulo: Cultura Cristã, 2008, p.734.
4
OLIVETTI, Odayr; GOMES, Paulo Sérgio,
2008, p.734.
5
Ibidem.
6 HAVENER,
Ivan. Efésios. In, BERGANT, Dianne;
KARRIS, Robert J. (Orgs.) Comentário
Bíblico. 3.ed. vol. 3. São Paulo: Edições Loyola, 2001, p.251.